Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:729/19.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/07/2019
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:INTIMAÇÃO À PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO; GASTOS DO ESTADO COM COMPRA DE MEDICAMENTOS; JORNALISTA.
Sumário:I. Revelando o teor do requerimento de acesso à informação não procedimental, da Administração aberta ou do open fileapresentado, que a informação pretendida se apresenta configurada no âmbito do exercício do direito à informação administrativa, por a Requerente ter vindo solicitar informação que está na disponibilidade da Entidade Requerida, isto é, em documentos de que estão na sua posse, encontra-se concretizado o direito de acesso à informação.

II. O acesso à informação relativa ao gasto com os tratamentos da Hepatite C, com os medicamentos sofosbuvir e declatasvir, pelo Estado português não está condicionado ou limitado por qualquer restrição do acesso à informação, nos termos do artigo 6.º da LADA.

III. Não estão em causa dados pessoais ou nominativos, nem tão pouco segredos comerciais ou que relevem de cláusulas de confidencialidade dos contratos públicos celebrados entre o Estado e as empresas comercializadoras.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 20/06/2019 que, no âmbito do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, movido por S………., julgou a intimação procedente e intimou a Requerida a prestar, em dez dias, a informação requerida.

Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

O presente recurso versa sobre a errónea apreciação de factos e errada aplicação de regras, em particular, pela incorreta aplicação das regras legais da Lei de Acesso a Documentos Administrativos (LADA) que subjazeram à decisão recorrida – a Sentença do Tribunal a quo, de 20 de junho de 2019;

Os presentes autos remontam à Decisão de Indeferimento da ora Recorrente, perante o pedido de acesso a informação administrativa formulado pela Intimante. A informação requerida prende-se com os encargos com os tratamentos a doentes com Hepatite C, com os fármacos sofosbuvir e daclatasvir.

A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), teve a oportunidade de emitir o Parecer n.º 190/2018, de 22 de maio de 2018 onde considerou “não ser impossível fornecer informação sobre a despesa sem incorrer nos perigos e riscos [apontados pela ACSS].” Desta Conclusão, também extrai ora Recorrente a possibilidade de que a informação requerida a ser fornecida, possa contribuir e materializar precisamente os riscos apontados.

Subsequentemente, após ser dirigido pela Intimante o referido pedido de informação, a ora Recorrente indeferiu-o, com base na existência de uma cláusula de confidencialidade nos acordos celebrados com as empresas que comercializam os fármacos de sofosbuvir e daclastavir; pela possibilidade de determinação do preço dos medicamentos e das consequências daí decorrentes, quer pelo prejuízo às referidas empresas, quer no risco de retirada dos fármacos e no respetivo risco para a integridade física e vida dos doentes que deles carecem.

Compulsados os autos, a decisão recorrida considerou não ter sido invocada pela ora Recorrente nenhuma norma legal que consagrasse a restrição de acesso à informação requerida, nem deu por verificada qualquer restrição de acesso nos termos da LADA.

De igual modo, acrescentou que os alegados prejuízos que a concessão poderia causar às empresas responsáveis pela comercialização dos medicamentos em causa não consubstanciam uma restrição legalmente prevista ao acesso da informação requerida.

O Tribunal a quo terminou pugnando pela inexistência de qualquer restrição de acesso à informação requerida, julgando procedente a intimação e condenando a ora Recorrente a prestar à Intimante a informação solicitada.

Na visão da ora Recorrente, o Tribunal a quo laborou em erro. É incorreta a afirmação de que não foi trazida qualquer disposição legal que consagrasse alguma restrição de acesso à informação requerida. Das considerações feitas pela ora Recorrente, quer na decisão de indeferimento quer na Resposta à Intimação retira-se precisamente o contrário, em particular pela existência de acordos de confidencialidade por referência aos contratos de fornecimento celebrados entre o Estado Português e as empresas que comercializam sofosbuvir e daclatasvir.

Dessas considerações resulta desde logo os prejuízos para as mencionadas empresas, por violação dos acordos de confidencialidade, uma vez que é possível a obtenção dos preços dos medicamentos através de uma operação aritmética tendo por base os dados da informação requerida e o número de pacientes tratados, conhecido através de nota pública do INFARMED, I.P.

10ª Essa possibilidade permite descurar uma plausível decisão por parte dessas entidades em retirar os fármacos do mercado nacional, lesando a final, os pacientes com Hepatite C, verificando-se, assim, nessa eventualidade, uma atuação contrária à imposição constitucional dirigida ao Estado em promover o direito à saúde, nos termos do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e, no limite, a própria vida e integridade física dos utentes em causa – artigo 24.º da CRP.

11ª A própria LADA consagra importantes exceções ao direito de acesso a documentos administrativos, nomeadamente quando estejam em causa factos suscetíveis de abalar segredo comercial, como aliás é transcrito na própria decisão recorrida. São, portanto, as disposições do n.º 2, n.º 6 e al. c) do n.º 7 do artigo 5.º do referido diploma.

12ª Dos elementos coligidos pelos autos, era devido um juízo ponderativo, à luz do n.º 6 do artigo 5.º da LADA, o que não se verificou de todo, uma vez que o Tribunal a quo procedeu a um juízo liminar de inexistência de restrição ao acesso a documentos administrativos pela Intimante, olvidando as considerações efetuadas pela ora Recorrente.

13ª O facto de a Intimante não requerer a identificação das empresas que comercializam os referidos medicamentos não deveria ter fundado a decisão do Tribunal a quo em ter por não verificada qualquer prejuízo a ter em consideração, por respeito ao segredo comercial inserido em cada um dos contratos de fornecimento.

14ª Como se viu, pese embora a Intimante não tenha solicitado tais informações adicionais, tem conhecimento direto e qualificado sobre a identidade daquelas empresas, como se poderá alcançar dos pontos 9. e 10. do Documento n.º 5 da Intimação. Tal identidade também é do conhecimento público, uma vez que é mencionada em notas públicas do INFARMED, I.P.

15ª Assim, nunca poderia ser considerado pelo Tribunal a quo não resultar do probatório a identificação de quaisquer terceiros a quem a concessão da informação pudesse causar danos graves e dificilmente reversíveis. Esses terceiros são diretamente as empresas que comercializam os fármacos, a saber: a G…… S….. I….., Ltd. e a B….-M….. S…. P….., EEIG.

16ª Atenta a eficácia terapêutica dos referidos fármacos e os princípios perante os quais assentam as normas terapêuticas emanadas da Direção-Geral da Saúde, em particular, a Norma DGS n.º 028/2017, de 28 de dezembro de 2017, poderá constatar-se que os tratamentos em doentes com Hepatite C radicam em primeira e última análise pela administração de fármacos, apenas se individualizando a dosagem e os momentos de administração medicamentosa o controlo de reações e adesão terapêutica pelos sujeitos elegíveis.

17ª Neste sentido, sendo essa operação aritmética possível, deveria ter o Tribunal a quo efetuado a devida ponderação exigida por lei, nos termos do n.º 6 do artigo 5.º da LADA e do artigo 18.º da CRP e ter tido em conta, não só o confronto entre o segredo comercial e o direito ao acesso a documentos administrativos, mas também as considerações feitas pela Recorrente, nomeadamente quanto à promoção da saúde e o respeito pela vida e integridade física dos utentes com Hepatite C, atentos os artigos 64.º e 24.º da CRP, o que não foi efetuado.

18ª Pesados e ponderados todos os interesses identificados, como dirige o n.º 6 do artigo 5.º, entende a Recorrente que a decisão recorrida poderia ter sido outra que não a tomada, através da prevalência do direito à saúde, da integridade física e vida dos pacientes com Hepatite C, associados ao segredo comercial protegido daquelas empresas em detrimento do acesso aos documentos administrativos solicitados pela Intimante, sendo este bem jurídico derrotado por aqueles, após a devida ponderação.

19ª Pois que, tomando tudo em consideração, como bem eleva o n.º 6 do artigo 5.º da LADA, reconhecida a possibilidade de identificação do preço dos medicamentos inseridos nos tratamentos, quedava não só a ponderação entre os dois bens em confronto (direito ao acesso a documentos administrativos vs. segredo comercial), mas também as decorrências expressas em caso de divulgação, nomeadamente a inserção do conflito à luz da possível lesão do direito à saúde, na sua modalidade de imposição ao Estado em promover o acesso a cuidados de saúde, nos termos do artigo 64.º da CRP, bem como a plausível lesão, em caso de retirada subsequente dos medicamentos, do direito à integridade física e vida dos pacientes com Hepatite C, individualmente considerados, atento o disposto no artigo 24.º da CRP.

20ª Tampouco poderia ser ignorada a vertente do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP) que seria posta em causa num cenário de retirada dos fármacos na sequência da divulgação, isto é, pelo diferente acesso aos fármacos em apreço entre os utentes que já foram tratados e efetivamente curados e aqueles que, atenta a possível retirada, deixariam de o ter.

21ª Precisamente, é essa omissão ponderativa que justifica em última análise o presente Recurso, devendo o resultado dessa ponderação ser o de atribuir menor peso relativo ao direito da Intimante e reconhecer por verificada a restrição constante do n.º 6 do artigo 5.º da LADA e, em conformidade, ser revogada a decisão recorrida e ser julgada improcedente a Intimação, absolvendo a ora Recorrente do pedido.”.

Pede que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, revogada a decisão recorrida, julgando-se a intimação improcedente e absolvendo-se a Entidade Demandada do pedido.


*

A ora Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. No presente recurso a Recorrente coloca em crise a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou procedente a intimação de prestação de informação requerida pela Recorrida, isto é, saber qual o valor despendido pelo Estado português no tratamento de pacientes com Hepatite C com os fármacos sofusbuvir e daclatasvir.

2. Tal informação foi ilegalmente recusada à Jornalista, ora Recorrida, em ofensa ao direito fundamental de acesso à informação administrativa e ao princípio da administração aberta, consagrados nos artigos 37.º, n.º 1, 48.º, n.º 2 e 268.º, n.º 2 da CRP.

3. O interesse público de saber qual o valor suportado pelo erário público com uma doença infeciosa, cujo tratamento se estima bastante elevado, num Estado de Direito Democrático, é por demais, evidente.

4. Antecipadamente, se diga, que os cinco (alegados) vícios apontados à decisão recorrida, desfeitos os argumentos circulares, resumem-se a dois: (i) erro de julgamento quanto à ilegalidade da recusa de prestação da informação e (ii) erro na apreciação da prova produzida.

5. Quanto ao primeiro (alegado) erro, a Recorrente não logrou identificar qual a restrição constante do artigo 6.º da LADA, ou de qualquer outro diploma, que autorizasse a recusa da informação solicitada pela Recorrida.

6. Mais, a tese de que a prestação da informação requerida é suscetível de violar segredo comercial afastada pela sentença em crise, revela-se, sobejamente, frouxa.

7. Em primeiro lugar, não basta inserir clausulas de confidencialidade para afastar os deveres legais e constitucionais de prestação de informação, a que a Recorrida sempre terá acesso, tendo em conta o bloco de legalidade concretamente aplicável.

8. Em segundo, o argumento da Recorrente para recusar fornecer a informação solicitada é o de que “sendo o número de doentes tratados conhecido, o custo de tratamento corresponderá ao quociente da mera divisão do valor da despesa por aquele número de doentes” incorre em dois vícios de raciocínio”, o qual, igualmente improcede por falta de fundamentação legal, não se tratando de um mero raciocínio aritmético.

9. Invoca a Recorrente, que a Recorrida para atingir a sua pretensão, lhe bastaria dividir o valor da despesa pelo número de doentes, contudo se assim fosse, a Recorrida não teria o custo do tratamento de cada paciente, mas sim a média do custo do tratamento por paciente. Além de que a exigência de cada tratamento difere em função de cada caso, diferindo, em consequência, o valor de cada tratamento. Não falamos de unidades exatas.

10. Continua a Recorrente a sua alegação, desta feita, invocando que, o custo de cada tratamento é igual ao custo de cada medicamento.

11. Argumento este improcedente bem tendo andado a sentença recorrida ao concluir que: “A palavra “tratamento” não tem uma relação direta com o custo de aquisição dos medicamentos “sofosbuvir e daclatasvir”, são realidades de facto que não se confundem, antes se complementam. (…) Os tratamentos estão a jusante dos contratos de fornecimento dos medicamentos, pelo que o seu valor não se subsume ao preço de aquisição dos medicamentos, apesar de o englobar” (cfr. p. 8 da sentença recorrida).

12. Porquanto, o juízo de ponderação, à luz do princípio da proporcionalidade, convocado pelo artigo 18.º, n.º 2 da CRP e pelo artigo 6.º, n.º 5 da LADA (alegadamente aplicáveis), não tem aplicação legal nos presentes autos.

13. Mais, ficou por demonstrar, pela Recorrente, que a restrição à informação requerida, por tempo indeterminado, é uma medida adequada, necessária e estritamente proporcional a tutelar os segredos comerciais das referidas empresas, bem como do direito à saúde dos pacientes, em contraponto com o direito da coletividade de saber qual o valor suportado pelo erário público com os tratamentos da Hepatite C.

14. A Recorrente esforça-se ainda por defender que com a informação requerida, a Recorrida alegadamente tornaria público o preço de cada medicamento, o que violaria o segredo comercial dos fornecedores, os quais cessariam os contratos com o Estado e, consequentemente, seria violado o direito fundamental à saúde, tese que também não procede.

15. Assim, a Recorrente, levianamente e numa frase apenas, imputa ainda uma violação do princípio da igualdade, pois “os utentes que já foram tratados com os referidos fármacos e perante aqueles que, munidos de expectativas legitimamente palpáveis, já não terão acesso a idêntica administração medicamentosa”.

16. Ora, como é evidente, não existe qualquer nexo de causalidade entre a divulgação do custo dos tratamentos da Hepatite C com os preços praticados por cada empresa, em cada contrato, em particular, pelo que, também este argumento deverá improceder integralmente,

17. No tocante ao alegado erro de julgamento na apreciação da prova produzida em primeira instância, a Recorrente entende que, na sua contestação, fez prova dos danos graves e dificilmente reversíveis nos seus bens ou interesses patrimoniais afetados pela eventual prestação da informação requerida.

18. Sucede que, olhando ao acervo factual da fundamentação da sentença recorrida, percebemos que não está em crise nenhum facto dado como (não) provado, mas sim a subsunção dos factos dados como provados, ao bloco de legalidade concretamente aplicável.

19. Razão pela qual, também aqui improcede integralmente a alegação da Recorrente, não padecendo de vício algum, a sentença em crise.

20. Ademais, a Recorrente invoca que o Documento n.º 5 junto com a Intimação, bem como uma nota pública do INFARMED, I.P., são suficientes para que o Tribunal ad quem possa concluir que o tribunal a quo decidiu mal, quando afirmou que a Recorrente não procedeu à “identificação de quaisquer terceiros a quem a concessão da informação requerida possa causar danos graves e dificilmente reversíveis nos seus bens ou interesses patrimoniais”.

21. Sucede que, em primeira linha, sempre se diga, a referida nota pública do INFARMED, I.P. só agora foi carreada aos autos, sendo processualmente inadmissível que seja valorada pelo tribunal de recurso, por força dos artigos 611.º e 696.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

22. Se assim não se entender, o que não se concede, mas por cautela de patrocínio se equaciona, frise-se que é irrelevante que o referido documento seja conhecido pelo presente Tribunal.

23. Na verdade, conforme se explanou supra, mesmo que fosse do conhecimento do público quais as empresas que comercializam e qual o número de tratamentos autorizados à data de 03.02.2017, tal não permitiria saber o preço de cada medicamento em concreto, praticado por cada empresa, mas apenas e quando muito, qual a média dos custos por tratamento.

24. Improcedendo, em toda a linha, o alegado erro de julgamento de apreciação da prova, deve manter-se integralmente a decisão recorrida, por integralmente justa e irrepreensível.”.

Pede a improcedência do recurso.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

*

O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas pela Recorrente resumem-se, em suma, em decidir:

Erro de julgamento de direito, quanto à interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 7, c) da LADA, pela existência de acordos de confidencialidade em relação aos contratos de fornecimento celebrados entre o Estado português e as empresas que comercializam sofosbuvir e daclastavir, exigindo um juízo ponderativo.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“Face à questão que atrás se elegeu, tendo em conta a prova documental patente nestes autos e a posição assumida pelas partes, considero provada a seguinte matéria de facto:

A) A Intimante é jornalista e exerce as suas funções para a empresa C…… M…., S.A. (cfr. documento junto aos autos pela Intimante).

B) Na sequência de queixa apresentada pela Intimante, em 4/08/2017, à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que deu origem ao processo 603/2017, a CADA emitiu o parecer nº 190/2018, documento que dou aqui por reproduzido (cfr. documento nº 6 junto pela Intimante e documento nº 2 junto pela Entidade Demandada).

C) Em 28/11/2018, a Intimante requereu à Entidade Demandada, por email, informação, nos seguintes termos «Na sequência do parecer da Comissão de Acesso aos Dados Administrativos Proc. 603/2017, que se anexa e se dá por inteiramente reproduzido, reenvio a minha pergunta, colocada em Julho de 2017 para os “endereços oficiais de contacto”, conforme sugere a CADA na página 2 do citado parecer:

Quanto já se despendeu no tratamento dos pacientes com Hepatice C tratados com os inovadores sofosbuvir e daclatasvir?

…» e em 13/03/2019, novamente por email, requereu à Intimante o seguinte «Insisto na pergunta enviada a 28 de novembro – há 106 dias – e que reproduzo em baixo. Recordo que a pergunta vem na sequência de um parecer da Comissão de Acesso aos Dados Administrativos, que mais uma vez anexo.» (cfr. documento nº 7 junto pela Intimante).

D) Em 04/04/2019, a Entidade Demandada indeferiu o pedido de informação da Intimante, que foi recebido por esta em 09/04/2019, nos seguintes termos «

“Texto Integral com Imagem”


» (cfr. documento nº 8 junto pela Intimante e documento nº 1 junto pela Entidade Demandada).”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, não impugnada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, quanto à interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 7, c) da LADA, pela existência de acordos de confidencialidade em relação aos contratos de fornecimento celebrados entre o Estado português e as empresas que comercializam sofosbuvir e daclastavir, exigindo um juízo ponderativo

Insurge-se a Recorrente contra a decisão que julgou a intimação procedente e o intimou a passar a certidão requerida pela Requerente, relativa à prestação de informação de quanto o Estado despendeu no tratamento dos pacientes com Hepatite C, tratados com os fármacos sofosbuvir e daclatasvir, ou seja, os encargos com os tratamentos a doentes com Hepatite C com os fármacos em causa.

Alega que a sentença recorrida incorre em errada apreciação dos factos e das regras legais prevista na LADA, pois existe uma cláusula de confidencialidade nos acordos celebrados com as empresas que comercializam os fármacos de sofosbuvir e daclatasvir, pela possibilidade de determinação do preço dos medicamentos e das consequências daí decorrentes, quer pelo prejuízo às referidas empresas, quer no risco de retirada dos fármacos e no respetivo risco para a integridade física e vida dos doentes que deles carecem.

Por isso, considera a Recorrente que existem fundamentos para a restrição ao direito de acesso aos documentos administrativos nos termos do artigo 6.º, n.º 7, c) da LADA (e não o artigo 5.º, n.º 7, c) como, por lapso refere) e que se absteve a sentença recorrida a proceder a um juízo de ponderação nos termos do artigo 6.º, n.º 6 da LADA,

Trata-se de um pedido de acesso à informação requerido por uma jornalista, especificamente, a informação relativa ao valor pecuniário despendido pelo Estado com dois medicamentos, no tratamento de doentes com Hepatite C, que recebeu resposta negativa da ora Recorrente, sob a invocação de não se pode divulgar o impacto orçamental dos tratamentos, porque os contratos com as empresas estão sujeitos a cláusulas de confidencialidade e que a disponibilização da informação em causa, por via dos prejuízos que poderá causar às empresas responsáveis pela comercialização dos medicamentos, colocará, com grande probabilidade, em risco o interesse público no acesso a tais medicamentos em Portugal, em flagrante violação dos princípios da proporcionalidade, a proteção da saúde e da proteção da vida e da integridade física dos doentes.

Vejamos.

Tal como decidido na sentença recorrida, não logram proceder as razões invocadas para justificar quaisquer restrições ao direito de acesso à informação requerida.

Em face da factualidade demonstrada, decorre que o direito invocado pela Requerente no requerimento apresentado é o direito à informação, consagrado nos n.ºs 1 e 2, do artigo 268.º da Constituição, sendo pedida a prestação de informação de natureza administrativa.

No n.º 1 do artigo 268.º da Constituição consagra-se o direito e garantia dos administrados de serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, o que constitui a vertente procedimental do direito à informação; no seu n.º 2 consagra-se o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, correspondendo à vertente não procedimental do direito à informação.

O direito à informação, procedimental e não procedimental, encontra-se concretizado no Código do Procedimento Administrativo (CPA), comportando três direitos distintos: o direito à prestação de informações (artigo 82.º), o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões (artigo 83.º).

O direito à informação não procedimental abrange o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.

Por isso, nos termos do n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, os cidadãos têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, só podendo haver restrições a esse direito de acesso quando, fundamentadamente, tal se mostrar obstaculizado pela aplicação da lei em matérias relativas, designadamente, à segurança interna e externa, à intimidade das pessoas e aos segredos comerciais e industriais.

Sobre o disposto em tal preceito constitucional, remete-se para o Acórdão do TCAS nº 4841/09, de 17/09/2009, que reproduz a doutrina, “(…) A utilização neste nº 2 do advérbio “também” denota a consciência de um nexo conjuntivo entre os direitos à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos: são, na verdade, duas diferentes concretizações de um mesmo princípio geral de publicidade ou transparência da administração. Mas se ambos se conjugam em torno do propósito de banir o “segredo administrativo”, algo os diferencia: ao passo que o primeiro direito se concebe no quadro subjetivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto, o segundo existirá independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo.”.

Estes dois planos do direito à informação (procedimental e não procedimental) foram, por isso, respeitados aquando da sua incorporação no CPA.

Todos esses artigos do CPA regulam o direito de acesso à informação contida em processos e procedimentos em curso, assim como o direito à informação que assiste a todos os cidadãos, de acordo com o sistema de arquivo aberto ou open file, isto é, independentemente de serem ou estarem interessados no procedimento administrativo em causa.

O artigo 17.º, juntamente com o artigo 85.º, ambos do CPA, consagram o princípio da Administração aberta, facultando a qualquer pessoa o acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga diretamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

Segundo o citado artigo 17.º do CPA:

1. Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas.

2. O acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado por lei.”.

Essa lei é a Lei nº 26/2016, de 22/08, que aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e a reutilização dos documentos administrativos, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro.

Em face do recorte que é conferido pela Constituição, assim como resultante do CPA, a que acresce a configuração que lhe é dada pelo CPTA, ao prever um meio processual próprio para tutelar o direito à informação, que segue termos sob o processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, previsto e regulado no artigo 104.º e segs. do CPTA, é seguro que o direito à informação se apresenta e é perspetivado na ordem jurídica como um verdadeiro direito subjetivo, constitucional e legalmente garantido (nºs. 1 e 2 do artigo 268.º da Constituição, artigos 82.º a 85º do CPA e Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22/08), podendo ser feito valer em juízo, quer como meio processual autónomo, quer com uma função instrumental, destinado a obter elementos à utilização de outro meio administrativo ou processual.

Aqui chegados, importa analisar se a pretensão requerida apresentada pela Requerente se insere no direito à informação invocado.

A Requerente e ora Recorrida invocou o direito à informação para obter as informações pretendidas no requerimento que apresentou junto da Administração.

Assistindo aos interessados o direito de, mediante o pagamento das importâncias devidas, obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos a que tenham acesso, recai sobre as entidades administrativas o correspondente dever de satisfazer as pretensões requeridas, nos termos disciplinados no CPA e no artigo 268.º da Constituição, sempre que, estiverem verificados os respetivos pressupostos do exercício do respetivo direito.

Cabendo à Requerente que invoca o direito, fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, incumbe à Entidade Requerida não só alegar, mas também provar que procedeu à emissão da certidão ou da informação que foi requerida ou que, por algum motivo, está dispensada de dar satisfação ao requerido, por verificação de alguma causa de restrição ao direito de acesso à informação.

Os particulares podem dirigir-se à Administração de múltiplas maneiras, mas apenas quando estiver em causa o exercício do direito à informação, constitui o presente meio judicial o meio idóneo de tutela.

O alcance e extensão da obrigação da Administração deve aferir-se tendo em atenção que a informação é sempre prestada em face de elementos detidos pela Administração, extraída do que consta dos seus arquivos, processos ou registos.

Por isso, a prestação de informação não exige a emissão de qualquer juízo, análise ou ponderação, sendo extraída objetivamente de elementos na posse da Administração.

Não é finalidade do pedido de informação ou tão pouco da presente intimação decidir sobre qualquer matéria que seja apresentada à Administração ou sequer emitir juízos de valor ou de ciência, ainda que tais juízos resultem de elementos preexistentes, assim como não se destina a obter pareceres, opiniões ou qualquer outro esclarecimento, que não constem dos documentos administrativos.

Do mesmo modo, não é exigível a organização de quaisquer documentos, independentemente do suporte em que se apresentem, em suporte de papel ou informático.

Além disso, não obstante a Constituição e a LADA, no seu artigo 5.º, consagrarem o direito de acesso, nos termos do qual, “sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”, esse direito sofre as restrições previstas no artigo 6.º da LADA.

Resulta do citado artigo 5.º da LADA, supra transcrito, que ao contrário do que sucede no domínio da informação procedimental, prevista nos artigos 82º a 85º do CPA, não é necessária a verificação de qualquer requisito subjetivo de titularidade e legitimidade, por o direito de acesso pertencer a todos os cidadãos, independentemente de serem interessados num procedimento administrativo, não havendo necessidade de enunciar qualquer interesse.

No entanto, considerando a qualidade de a Requerente do acesso à informação ser jornalista acresce beneficiar do direito fundamental de liberdade de acesso às fontes de informação, nos termos do artigo 6º, b), do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13/01.

Assim, não existem dúvidas quanto à titularidade de um direito de acesso à informação não procedimental da Requerente, à luz da Constituição, do CPA, da LADA e, no presente caso, ainda pelo Estatuto do Jornalista.

No entanto, não sendo tal direito absoluto e incondicionado, quer o artigo 6.º da LADA, quer o artigo 8.º, n.º 3, do Estatuto do Jornalista, consagram restrições ao direito de acesso.

Nos termos do artigo 6.º da LADA, o direito de acesso previsto no artigo 5.º da LADA, sofre as seguintes restrições:

1 - Os documentos que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como podendo pôr em risco interesses fundamentais do Estado ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização, durante o tempo estritamente necessário, através de classificação operada através do regime do segredo de Estado ou por outros regimes legais relativos à informação classificada.

2 - Os documentos protegidos por direitos de autor ou direitos conexos, designadamente os que se encontrem na posse de museus, bibliotecas e arquivos, bem como os documentos que revelem segredo relativo à propriedade literária, artística, industrial ou científica, são acessíveis, sem prejuízo da aplicabilidade das restrições resultantes do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e do Código da Propriedade Industrial e demais legislação aplicável à proteção da propriedade intelectual.

3 - O acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar.

4 - O acesso ao conteúdo de auditorias, inspeções, inquéritos, sindicâncias ou averiguações pode ser diferido até ao decurso do prazo para instauração de procedimento disciplinar.

5 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos:

a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder;

b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.

6 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.

7 - Sem prejuízo das demais restrições legalmente previstas, os documentos administrativos ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização, durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses juridicamente relevantes, mediante decisão do órgão ou entidade competente, sempre que contenham informações cujo conhecimento seja suscetível de:

a) Afetar a eficácia da fiscalização ou supervisão, incluindo os planos, metodologias e estratégias de supervisão ou de fiscalização;

b) Colocar em causa a capacidade operacional ou a segurança das instalações ou do pessoal das Forças Armadas, dos serviços de informações da República Portuguesa, das forças e serviços de segurança e dos órgãos de polícia criminal, bem com a segurança das representações diplomáticas e consulares; ou

c) Causar danos graves e dificilmente reversíveis a bens ou interesses patrimoniais de terceiros que sejam superiores aos bens e interesses protegidos pelo direito de acesso à informação administrativa.

8 - Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.

9 - Sem prejuízo das ponderações previstas nos números anteriores, nos pedidos de acesso a documentos nominativos que não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, presume-se, na falta de outro indicado pelo requerente, que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos.”.

Em paralelo, estabelece o artigo 8.º, n.º 3, do Estatuto do Jornalista:

O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, bem como os documentos que sirvam de suporte a actos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos de natureza contratual.”.

Embora esteja em causa o acesso a informação relativa a gastos com medicamentos, não está em causa informação que seja relativa à informação de saúde de qualquer doente, pelo que não tem aplicação o disposto no artigo 7.º da LADA.

Relembrando o exato teor da informação requerida, ela incide sobre a despesa pública com a aquisição dos fármacos sofosbuvir e daclatasvir para o tratamento dos pacientes com hepatice C.

Não se pretende aceder aos contratos celebrados, nem com que empresas comercializadoras, nem quanto aos valores contratados ou o seu objeto.

Não releva para a satisfação do pedido de informação conhecer qualquer informação atinente às relações contratuais com qualquer empresa, nem tão pouco a sua identificação.

Nem sequer o custo unitário de qualquer fármaco.

No entanto, sempre se dirá que estão em causa contratos públicos que, não tendo sido classificados como submetidos ao regime do segredo, constituem informação administrativa de livre acesso.

Não se pretende saber ou aceder a qualquer informação que releve direta ou indiretamente com segredo comercial de qualquer empresa, nem tao pouco se pretende saber de que empresas se trata.

Por outro lado, a ora Recorrente que pretende zelar pelo segredo comercial de certas sociedades comerciais, não se coíbe, na própria alegação de recurso, de identificar essas empresas, sendo que essa informação não foi requerida, nem constitui objeto do pedido de informação administrativa.

Nesse sentido, carece de fundamento a invocação no presente caso, da restrição de acesso à informação administrativa prevista no artigo 6.º, n.º 6 da LADA, por a situação não se poder configurar nesses termos.

Do mesmo modo em relação ao disposto no artigo 6.º, n.º 7, c) da LADA, ao prever a restrição de acesso à informação se ela “Causar danos graves e dificilmente reversíveis a bens ou interesses patrimoniais de terceiros que sejam superiores aos bens e interesses protegidos pelo direito de acesso à informação administrativa.”, pois além de esses danos não se encontrarem suficientemente concretizados, também sobre eles não foi produzida prova, a qual também não foi requerida pela Entidade Demandada.

Nem tão pouco se podem considerar as empresas comercializadoras dos medicamentos como terceiros para este efeito, nem ainda os direitos de que são titulares em decorrência dos contratos celebrados com o Estado português colidem ou podem postergar quaisquer outros direitos subjetivos de terceiros, in casu, a ora Recorrida, e, muito menos, que se possa configurar que os direitos comerciais dessas empresas sejam superiores ao direito à informação, com proteção constitucional.

Por isso, se recusa que a divulgação pública à jornalista, Requerente e, por via dela, na opinião pública, em geral, sobre a despesa pública do Estado português com os fármacos sofosbuvir e daclatasvir para o tratamento dos pacientes com hepatite C constituía um segredo comercial das empresas co-contratantes com o Estado português ou respeite a informação relativa à vida interna dessas empresas.

Do mesmo modo, que se afigura totalmente inverossímil a alegação da Recorrente de que a disponibilização da informação requerida é suscetível de causar às empresas que comercializam estes medicamentos, prejuízos mais elevados do que o valor total do mercado nacional destes medicamentos e que os prejuízos em que as empresas podem incorrer com a divulgação da informação em causa pode levá-las a retirar os medicamentos do mercado nacional, colocando em risco os doentes que dele necessitam.

Trata-se de uma alegação que não é suportada em qualquer concretização de facto, nem sequer de direito.

Cabia à Administração, ora Recorrente, concretizar no plano do facto e no plano do direito a existência de qualquer obstáculo ou restrição ao direito de acesso à informação, designadamente, através da enunciação de qualquer cláusula do contrato que assim o determinasse, o que não logra acontecer.

A divulgação da informação em causa não tem que ver com o exercício da atividade comercial de qualquer empresa, nem com o seu volume de negócios, nem com a sua carteira de clientes, nem com a sua margem de lucro ou sequer com a sua identificação.

Além de não se pretender saber o preço unitário de qualquer medicamento, nem o volume de unidades adquiridas, mas o valor global que o Estado português despendeu com tais tratamentos para a hepatite C com os medicamentos em causa.

Ao contrário do que defende a Recorrente, num juízo de ponderação de todos os direitos e interesses em jogo, eventualmente contrapostos, mediante um critério de proporcionalidade, necessidade e de adequação, não se vislumbra dever proteger o segredo invocado ou sequer que esse segredo, a existir, deva merecer maior proteção em relação ao direito fundamental à informação administrativa, no caso, na vertente não procedimental ou de arquivo aberto.

Por conseguinte, como consta da sentença recorrida, considerando que a Requerente “não solicita a identificação das entidades que fornecem os medicamentos em causa, a identificação das quantidades fornecidas, com que periodicidade, desde quando começaram a ser utilizados tais medicamentos, a identificação das necessidades individuais de cada paciente, o tipo de tratamento prescrito, a duração do tratamento, nem a identificação de outros factores que sejam tidos em consideração para o cálculo da despesa com os tratamentos”, nem sequer “está em causa o acesso à informação de saúde dos pacientes com hepatite C, que não foram sequer identificados pela Intimante, mas apenas o valor despendido nos tratamentos desses pacientes com os inovadores sofosbuvir e daclatasvir pelo Serviço Nacional de Saúde”, forçoso se tem de concluir pela tutela do direito à informação, nos termos requeridos pela ora Recorrida.

A sentença recorrida mostra-se corretamente fundamentada, no sentido de a existir alguma interdição do acesso à informação requerida, ela apenas poderia ocorrer durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses juridicamente relevantes, mediante decisão da Administração, e apenas nas situações elencadas no artigo 6.º, n.º 7, da Lei n.º 26/2016, sem que tenha sido demonstrado que tal decisão tenha sido tomada.

Do mesmo modo que a alegação da Recorrida é insuficiente para a caracterização de uma situação que permita identificar terceiros a quem a prestação da informação requerida possa causar danos graves e dificilmente reversíveis nos seus bens ou interesses patrimoniais.

Dificilmente se pode conceder que a concessão da informação requerida possa causar prejuízos às empresas responsáveis pela comercialização dos medicamentos em causa, além que, a ocorrer não pode consubstanciar uma restrição legalmente prevista ao direito de acesso à informação, num juízo de proporcionalidade dos direitos e interesses envolvidos.

Reafirma-se que não é o preço de cada um dos medicamentos que está em causa, nem o número de doentes abrangidos, nem tão pouco a prescrição do tratamento e a duração do tratamento, que poderá diferir de doente para doente, mas antes o valor despendido pelo Estado português com os tratamentos com tais medicamentos.

Por isso, inexiste qualquer restrição de acesso à informação requerida, o que determina que a mesma deve ser prestada.

O acesso à informação relativa ao gasto com os tratamentos da Hepatite C, com os medicamentos sofosbuvir e declatasvir, pelo Estado português não está condicionado ou limitado por qualquer restrição do acesso à informação, nos termos do artigo 6.º da LADA.

Não estão em causa dados pessoais ou nominativos, nem tão pouco segredos comerciais ou que relevem de cláusulas de confidencialidade dos contratos públicos celebrados entre o Estado e as empresas comercializadoras.

De resto a alegada confidencialidade não foi concretizada em qualquer cláusula contratual que permitisse apreender a sua existência e exata configuração, limitando-se a Recorrente a uma alegação genérica nesse sentido.

Daí que seja de afastar a configuração do litígio em presença como um caso de conflito de direitos e interesses, em que se reconhecendo a titularidade ao requerente da informação de um direito ao acesso à informação que requereu à Administração, se coloquem limites ao exercício desse direito, decorrente da existência de direitos e interesses contrapostos, como a tutela de dados pessoais nominativos ou sequer segredos comerciais ou a produção de prejuízos ou danos em consequência da prestação da informação, por não se colocarem no caso concreto.

No presente caso, a Requerente é titular do direito à informação administrativa não procedimental ou segundo o princípio da Administração aberta ou do open file, sem que se verifique qualquer situação de restrição no acesso, como previsto no artigo 6.º da LADA.

Pelo que, improcedem as conclusões que se mostram formuladas contra a sentença recorrida.


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Pelo exposto, será de julgar improcedente o recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos e em manter a sentença recorrida, que julgando procedente o pedido, intima a Administração a prestar a informação requerida em 10 dias.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Revelando o teor do requerimento de acesso à informação não procedimental, da Administração aberta ou do open file apresentado, que a informação pretendida se apresenta configurada no âmbito do exercício do direito à informação administrativa, por a Requerente ter vindo solicitar informação que está na disponibilidade da Entidade Requerida, isto é, em documentos de que estão na sua posse, encontra-se concretizado o direito de acesso à informação.

II. O acesso à informação relativa ao gasto com os tratamentos da Hepatite C, com os medicamentos sofosbuvir e declatasvir, pelo Estado português não está condicionado ou limitado por qualquer restrição do acesso à informação, nos termos do artigo 6.º da LADA.

III. Não estão em causa dados pessoais ou nominativos, nem tão pouco segredos comerciais ou que relevem de cláusulas de confidencialidade dos contratos públicos celebrados entre o Estado e as empresas comercializadoras.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo a decisão proferida, de intimação da Entidade Demandada, ora Recorrente, a prestar a informação requerida em dez dias.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marchão)


(Paula de Ferreirinha Loureiro)